Balanço e Perspectivas sobre as Migrações no Sul e Norte Global: simpósio
Inscrições abertas para evento do Pós em Ciência da Religião, em parceria com a Missão...
Bruna Barbalho defendeu a dissertação “Para além do som: relatos de conquistas e desafios na trajetória acadêmica de estudantes surdos que chegaram ao ensino superior”
“A minha defesa de mestrado representa também os silêncios que precisaram ser quebrados, os afetos que sustentaram esse percurso. É uma porta que se abre, e eu desejo profundamente que outras pessoas surdas ocupem esse espaço com suas histórias e pesquisas. Cada conquista individual fortalece a nossa comunidade”, Bruna Barbalho, mestre em Educação: Psicologia da Educação, pela PUC-SP (ao centro, na foto)
A jovem pesquisadora Bruna Barbalho acaba de se tornar a primeira pessoa surda mestra pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação (PED / PUC-SP).
Sob orientação da profa. Mistuko Makino Antunes, Bruna realizou a pesquisa Para além do som: relatos de conquistas e desafios na trajetória acadêmica de estudantes surdos que chegaram ao ensino superior.
“Bruna foi a primeira aluna surda do PED e realizou uma pesquisa muito relevante academicamente, além de significativa para a comunidade surda. Esperamos que ela prossiga no doutorado e que seja a primeira de muitos surdos a se titularem no PED”, afirma a profa. Mitsuko.
Leia a seguir entrevista concedida por Bruna ao J.PUC:
JPUC – Conte sobre sua trajetória acadêmica
Bruna – Sou natural de São Paulo, mas vivi por 15 anos em Pernambuco, onde construí grande parte da minha trajetória educacional. Por parte de mãe, há diversos professores na família e isso influenciou desde pequena o meu desejo de aprender e ensinar.
No último dia do ensino médio, em 2010, a primeira coisa que fiz foi correr para me inscrever na graduação em Pedagogia. Concluí o curso em 2015 e, desde então, já alimentava o desejo de seguir os estudos e ingressar no mestrado.
Foram diversas tentativas e desafios, ao longo dos anos. O desejo era grande, mas as oportunidades, escassas. Eu estava a ponto de desistir da Educação, achando que não era pra mim, de tanta limitação que encontrei no caminho.
Na época, eu morava em Abreu e Lima, região metropolitana do Recife. Lá, não havia nenhum surdo que eu admirasse como referência. A maioria não tinha fluência em Libras, muito menos em Língua Portuguesa, e o grupo vivia meio isolado da sociedade. Foi quando assisti a um vídeo no Facebook do grupo “Sociedade em Libras”. Nele Ricardo Nakasato (Derdic / PUC-SP) explicava sobre a língua de sinais e cultura surda. Fiquei tão admirada que comecei a considerá-lo meu mestre. Ouvir aquele nome me causou impacto, parecia algo distante, quase inacessível. Ainda assim, guardei aquela referência comigo. Em 2017, já de volta a São Paulo, conheci o Ricardo e soube que ele cursava mestrado na PUC-SP. Hoje, ele é meu amigo e trabalhamos juntos.
JPUC – Por que escolheu o Programa de Educação: Psicologia da Educação?
Bruna – Minha trajetória acadêmica sempre foi atravessada pelo desejo de compreender melhor as experiências da comunidade surda, especialmente no contexto da Educação. Também sempre tive curiosidade pela Psicologia, pelo poder do cérebro e suas formas de aprender com afeto. Isso me aproximou ainda mais das áreas da Educação e da Psicologia, sempre com foco nas questões sociais, linguísticas, culturais e identitárias das pessoas surdas.
Foi então que surgiu a oportunidade de conseguir uma bolsa e ter flexibilidade de horários, condições que tornaram possível dar início à realização desse sonho. Escolhi a PUC-SP para o mestrado em Psicologia da Educação porque era exatamente o curso que eu desejava: que unisse Educação e Psicologia. A proposta acadêmica, os professores envolvidos e a abertura para pesquisas com sujeitos surdos mostraram que aquele era o espaço certo para desenvolver um trabalho comprometido com escuta, afeto e transformação. A metodologia de alguns professores, como Laurinda e Mitsuko, centrada no diálogo e na escuta sensível, foi essencial para que eu me sentisse acolhida e respeitada como pesquisadora surda.
Foram quase dez anos entre o desejo e a concretização. Hoje, ao concluir o mestrado, compreendo, com mais profundidade o sentido daquela frase que antes parecia apenas um consolo: “Tudo acontece no tempo certo.” E agora eu sei — sim, acontece. E acontece quando tem que acontecer.
JPUC – Quais foram os principais desafios que enfrentou no mestrado?
Bruna – Sem dúvida, as barreiras de acesso. Não apenas no sentido da acessibilidade linguística, mas também de acesso à informação, às oportunidades e à permanência nos estudos. Durante muitos anos, tentei ingressar em programas de mestrado sem sucesso. Faltavam rede de apoio, recursos financeiros e horários que se adequassem à minha realidade.
Além disso, ser uma pessoa surda em um ambiente majoritariamente ouvinte exige um esforço redobrado. É cansativo ter que provar o tempo todo que temos potencial, que nossas mãos têm voz e também carregam conhecimento. Outro desafio constante foi a necessidade de garantir bons intérpretes em sala de aula, para que eu pudesse acompanhar o conteúdo e participar em igualdade com os colegas.
JPUC – Como escolheu o tema de sua pesquisa e qual considera a principal descoberta que o trabalho trouxe?
Bruna – Desde a graduação, eu já me interessava pelas questões que envolvem o sujeito surdo no contexto educacional. Ao longo do tempo, fui entendendo que não se tratava apenas de estudar a surdez, mas de escutar as histórias, os afetos, os silêncios e as potências das pessoas surdas. Minha principal descoberta foi perceber como a trajetória de cada sujeito é marcada por uma luta constante por pertencimento e reconhecimento, mas também por muita resistência, criatividade e desejo de aprender. Isso apareceu com muita força nos relatos que estudei e também na minha própria caminhada.
JPUC – Pretende continuar seus estudos na PUC-SP?
Bruna – Sim! A PUC-SP foi um espaço muito significativo na minha formação, tanto intelectual quanto afetiva. Senti que ali minha experiência enquanto pessoa surda foi levada a sério, respeitada e valorizada. Se surgir a oportunidade de seguir para um doutorado, quero continuar nesse caminho, e seria uma alegria poder dar continuidade a essa trajetória dentro da própria PUC-SP.
JPUC – Como avalia o impacto de uma pesquisadora surda defender mestrado?
Bruna – Defender um mestrado sendo uma mulher surda é muito mais do que conquistar um título: é ocupar um espaço que, historicamente, nos foi negado. A defesa não é só minha... é da comunidade surda, das lutas que me antecederam, das mãos que me ajudaram a chegar até aqui. Até agora, ainda custo a acreditar que concluí o mestrado.
É importante dizer: eu não fui a primeira pessoa surda da PUC-SP, mas fui a primeira a defender o mestrado no PED. E essa conquista carrega um peso simbólico e político muito grande.
A minha defesa representa também os silêncios que precisaram ser quebrados, os afetos que sustentaram esse percurso. É uma porta que se abre, e eu desejo profundamente que outras pessoas surdas também ocupem esse espaço com suas histórias e pesquisas. Cada conquista individual fortalece a nossa comunidade! Deaf Power <o/